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COLUNAS

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  • 18 de set. de 2019
  • 2 min de leitura

Bruno Thys

Durante 10 dias respiramos livro dia e noite. Foi nossa primeira Bienal como

editores e nos emocionou participar de uma festa em que a grande estrela é o

livro. Neste curto, mas intenso período, o livro nos aproximou de um monte de

gente bacana. Por nosso estande passaram alunos de escolas públicas e

privadas, professores, amigos, colegas, conhecidos e uma infinidade de

pessoas em busca de boas histórias.

Aprendemos muito, trocamos experiências e, sobretudo, conhecemos alguns

de nossos leitores e gente interessada no tipo de conteúdo que produzimos. A

exceção de noites de autógrafos, o editor raramente tem contato com o

comprador; o percurso vai até o livreiro ou à empresa que faz a conversão para

o formato digital. O “feedback” e os números de vendas são nossos melhores e

mais precisos balizadores.

Tudo era novo pra nós. Estávamos ali, eu e Luiz André Alzer, sócio na Editora

Máquina de Livros, com olhar de quem conhece um lugar familiar, do qual já

ouvira falar. Nos chamou a atenção, em especial, a presença de centenas de

milhares de adolescentes em permanente frenesi, atrás de seus autores

favoritos. Embora muita gente encare com ressalvas o fenômeno da “literatura

teen”, esse é um universo em acelerada expansão e um alento para nós,

mesmo sendo editores de “não ficção”, segmento distante do gênero que essa

garotada consome.

É um ótimo sinal. No passado, muita gente chegava aos livros via gibis; hoje, a

porta de entrada é também ou principalmente o Youtube, as redes sociais, etc.

São caminhos diferentes que levam ao mesmo destino e nos encorajam a

apostar num mercado que o mundo dá como condenado. Nesse sentido,

somos incorrigivelmente otimistas. Estamos diante de um processo de

reinvenção da própria sociedade e o livro - comprovamos nestes dias de Bienal

- tem lugar assegurado no mundo que se descortina.

Enquanto houver gente disposta a aprender e a ensinar; a contar, a ouvir, a

compartilhar histórias reais ou não, sonhos e aventuras, os livros terão valor,

independentemente de formatos. Não importa se em papel, e-

book ou audiobook, a força do livro está muito mais no conteúdo, embora a

forma também seja sensacional. 

Temos apenas um ano no “ramo”, absolutamente nada levando-se em conta

que o mercado editorial soma quase 700 anos, mas o suficiente para termos a

certeza de que fazemos o que gostamos, o que sabemos ou julgamos saber. A

Bienal nos mostrou que há um longo caminho, muito a aprender e a evoluir. E

também que ações de censura como a do prefeito da cidade, com inacreditável

apoio da presidência do Tribunal de Justiça do Rio, não encontram eco e

devem ser sempre repelidas. 


É provável que a intenção subjacente do prefeito fosse a de pegar carona na

grandiosidade do evento. De fato, os números da Bienal são expressivos: algo

como 600 mil pessoas participaram do evento e compraram 4 milhões de

exemplares, o que, no entanto, pode dar uma falsa impressão de pujança. Nos

10 dias em que estivemos imersos no Riocentro não enxergamos as

dificuldades do mercado: queda nas vendas e fechamento de grandes livrarias,

sem que o digital tenha ainda capturado o contingente que deixou de comprar

livros.

Nesse sentido a Bienal nos pareceu um belo prefácio de um grande livro. O

desafio do segmento é trabalhar para que a celebração da leitura tenha

capítulos diários e não apenas a cada dois anos.

  • 21 de ago. de 2019
  • 3 min de leitura

Bruno Thys


Dia desses parei pra tomar um café num pé sujo em Botafogo. O botequim era minúsculo, mal iluminado, sem mesa ou cadeira, café em copo de vidro e açucareiro de metal. Adoçante, nem pensar. Devia ter umas quatro ou cinco pessoas, contando o dono, do lado de lado de lá do balcão. Peguei uma conversa no meio.


—Esse presidente quer botar ordem na Amazônia. Ele tá certo. Aquilo lá virou casa da mãe joana —disse um homem de seus 50 anos, que estava na porta, de costas pra rua.


—Casa da mãe joana, não! — rebateu o mais idoso ali, com um cigarro no canto da boca, voz rouca, provavelmente por excesso de tabaco. —A Amazônia é casa de índio, de macaco, de onça, de árvore, de pássaro, de peixe, de tudo menos da mãe joana.


Fiz um gesto de positivo com o polegar pra ele. E nisso o que estava na porta reagiu.


—-Ok! Mas se não botar ordem ali, não sobra índio, bicho, ou árvore.


Repeti também pra ele o mesmo gesto com o polegar. Foi a vez do que estava ao meu lado, apagar o Marlboro no copo de café e retrucar.


—Tô de acordo que precisa de ordem. Mas é importante que os malucos lá de Brasília entendam que aquilo vale mais do que tudo no mundo. Mais que pré-sal, mina de ouro, ou qualquer outra coisa.


Ambos tinham razão, falavam com propriedade e lucidez sem serem conservacionistas, biólogos ou estudiosos do tema. Eram pessoas dotadas de bom senso, matéria escassa em Brasília.


Mais uma vez me dei conta de que a taxa de racionalidade do debate sobre a Amazônia - e do próprio país - cai à medida em que se aproxima das instâncias de decisão do poder. Há muito mais lucidez e consistência nas discussões num botequim do que no Planalto. Aliás, sempre houve.


De fato, o que diferencia o Brasil do mundo é a imensidão de seus recursos naturais, em especial, da Amazônia, disparado o nosso principal ativo. Se os Estados Unidos oferecem inovação, a Europa, educação e a cultura, e a Ásia, sua incrível capacidade de organizar a produção, o Brasil contribui com gigantescas reservas naturais.


A Amazônia é a maior usina de produção de vida do planeta. Se fosse uma empresa, teria valor incalculável e suas ações estariam entre as mais concorridas nas bolsas, não pelo que dela se pode extrair, mas pelo valor de bens, tangíveis e intangíveis, num mundo cada vez mais devastado. Que outra empresa fabrica ar, água, árvores, nuvens…? E os acionistas dessa empresa, de fato e de direito, somos nós todos, mas sem assento nas assembleias ou direito a voto.


Neste momento, creio, a Amazônia demanda uma visão mais econômica do que jurídica. Trata-se de questão matemática simples: inteira a Amazônia vale muito mais do que retalhada.


Se o Brasil misturasse o bom senso - matéria abundante entre a população -, ao conhecimento de técnicos e especialistas, num exercício de planejamento, certamente se teria menos devastação e alguma garantia de preservação no tempo.


Não é o caso de passar a cerca na Amazônia, mas de usá-la de forma racional, impedindo a exploração do que não é renovável. E ainda assim com regras e bom senso. A extração de minério, por exemplo, deveria levar em conta a relação entre “estragos e benefícios”. O valor de uma árvore na Floresta é muito maior - e cada vez mais - do que tombada e vendida em toras.


Infelizmente, a mentalidade extrativista plantada em 1500, sobrevive firme e forte. Parte do princípio de que a natureza é um bem divino, oferecido a quem tiver recursos para explorá-la, sem levar em conta o esforço e o tempo gasto pelas forças do Planeta para fazê-la emergir do solo. E desconsidera sua fragilidade diante de ferramentas de destruição em massa, disponíveis em qualquer loja de esquina.


Não se reproduz nada parecido com a Amazônia em laboratório. O que a natureza levou milhões de anos para formar, não resiste a uma mistura de motosserra com mercúrio.


Já estava de saída do botequim, quando ouço do mais idoso a seguinte observação:


---O Brasil tá fatiando ouro em ferro-velho e vendendo pelo preço do quilo de cobre.


Levantei os dois polegares em sinal de positivo pra ele.

  • 9 de jul. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 10 de jul. de 2019

Bruno Thys

Dia desses recebi um e-mail com uma lista das mais incríveis bibliotecas do planeta: a de Praga, a Real Biblioteca de Dinamarca, a de São Marcos, em Veneza, a da Universidade de Coimbra, o nosso Real Gabinete Português de Leitura, joia arquitetônica do Rio, entre outras. A mensagem incluía fotos muito bonitas e pensei no esforço de tanta gente, por tantos anos para criá-las e trazê-las aos nossos dias. São instituições, quase todas centenárias, de países que enfrentaram guerras, catástrofes, crises financeiras, etc.


Enquanto me deliciava com o conteúdo do e-mail, pensei também nos esforços individuais para formar bibliotecas particulares. Meu pai, por exemplo, dava a vida por sua bela biblioteca de perfil afrancesado – recheada de obras Balzac, Flaubert, Moliére, e Maupassant -, que ocupava o principal cômodo de nossa casa, em Copacabana. No fim da vida ele a doou ao Colégio Pedro II, onde estudou.


Era um santuário desenhado para ser, de fato, uma biblioteca caseira, com estantes, cadeira e luzes apropriadas à leitura. Todos os que a conheceram ficavam, de alguma forma, impactados. A quantidade e a organização dos livros dentro de um apartamento, era, é e será sempre algo raro e marcante.

Nada, porém, se comparava a catedral erguida, livro a livro, por José Mindlin, o grande bibliófilo brasileiro. Dono da Metal Leve - uma das maiores fábricas de peças para a indústria automobilística - Mindlin, com apoio de Guita, sua mulher, dedicou a vida a reunir as mais importantes obras já editadas no mundo sobre o Brasil.


Ele mantinha em sua casa, no Brooklin, algo em torno de 40 mil volumes: livros raros sobre a formação do país, escritos por viajantes que aqui aportaram; os primeiros mapas, diários e originais de obras centenárias, ilustradas manualmente sobre fauna e flora, entre tantas outras raridades. Fazem parte do acervo, o texto de “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, datilografado e com correções à mão, além das primeiras descrições do Brasil, de André Thevet e Jean de Léry.


Não tive o privilégio de conhecer Mindlin pessoalmente; lia e assistia com interesse suas entrevistas e ouvi de Alberto Dines, mestre de várias gerações de jornalistas, relatos sobre a biblioteca. Os dois eram grandes amigos e Dines frequentava a casa do Brooklin também como pesquisador. Ele se referia ao Mindlin simplesmente como “Zé”.


A vida de Mindlin girava em torno de sua biblioteca, organizada em quatro grandes segmentos: assuntos brasileiros, literatura, arte e livros como objeto de arte. No início dos anos 2000, já com mais de 80 anos, ele decidiu doá-la à USP, o que seria formalizado só em 2006 – quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. A burocracia fez de tudo para atrasar o sonho de Mindlin. Doar um bem privado a uma instituição pública no país exige infinita persistência e santa paciência.


Não fosse a burocracia, Mindlin teria presenciado a derradeira e mais importante parte de sua obra: a abertura ao público da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, em março de 2013, num prédio especialmente construído pela USP na Cidade Universitária, para abriga-la em sua integralidade. Ele faleceu três anos antes da inauguração. Desnecessário dizer que é visita obrigatória para quem gosta de livros, de Brasil, de história, de pesquisa e, sobretudo, de grandes exemplos.


Mindlin poderia fazer o que bem entendesse com sua fortuna – foi um dos homens mais ricos do país – e decidiu, na adolescência, formar uma biblioteca, sonho acalentado em conjunto com Guita, sua companheira desde a Faculdade de Direito, que faleceu em 2006. Aliás, a paixão de Guita pelos livros levou-a a montar um laboratório na casa do Brooklin para recuperar, encadernar, conservar e manter a biblioteca impecável.


Foram 80 anos de garimpo, que incluíram um sem número de viagens em busca de raridades, visitas regulares a sebos e contatos com caçadores de preciosidades em várias partes do mundo. O resultado de tamanho esforço, é um espetacular num país em que a memória e a cultura não recebem a atenção necessária. Conhecer a biblioteca dos Mindlin é reverenciar o melhor do esforço humano em favor da sociedade.


“Nunca me considerei o dono desta biblioteca. Eu e Guita éramos os guardiães destes livros que são um bem público”, disse Mindlin, no ato de formalização da doação, justificando o sentido de sua paixão e obra. Embora more no Rio, distante portanto da Biblioteca Mindlin, toda vez que a visito fico com a dúvida se é a relevância do acervo ou o belíssimo exemplo do casal o que mais me emociona.


Ao manusear cada obra da Brasiliana dos Mindlin, imagino o trabalho e alegria do colecionador ao encontra-la, reuni-la e oferece-la a seus verdadeiros donos, os leitores em geral e pesquisadores interessados na formação do Brasil, em particular. Difícil saber o que despertou em Mindlin, o desejo de fazer da coleção de livros, um projeto de vida. Arriscaria que, como meu pai, Mindlin era filho de imigrantes, nasceu em 1916 e se apaixonou tanto pelo país que foi buscar nas fontes originais a história e as histórias do Brasil.


Ele achou muito mais do que buscava: Mindlin declarava ter lido 7 mil dos quase 40 mil títulos de seu acervo. E nisso residia uma questão que tirava o seu sono. Para ele, seus livros só faziam sentido juntos: o valor da biblioteca estava no conjunto dos títulos e não em volumes ou coleções isoladas. Nesse sentido, a doação à USP representava a eliminação do risco de desmembramento do acervo.


A USP, aliás, pegou o bastão e fez a sua parte. Além de biblioteca, o lugar funciona como um ativo centro de cultura, pesquisa e produção de conhecimento sobre livros e Brasil. Há eventos, debates, cursos, exposições entre tantas outras atividades regulares. Parte do acervo também pode ser acessada através de buscas digitais, processo iniciado por Mindlin e Guita quando os livros ainda estavam no Brooklin.


Embora não fossem vaidosos, é impossível que José e Guita não tivessem orgulho do que legaram ao país. É um “case” de contribuição humana e merece ser sempre lembrado. Por falar em lembrança, quem sabe, eu não receba em breve um novo e-mail com a relação de importantes bibliotecas privadas que se tornaram públicas, como a de Guita e José Mindlin?

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