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COLUNAS

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  • 24 de out. de 2017
  • 5 min de leitura

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Clarinha

Quando conheci Clarinha,  ela e  meu irmão Edgar,  começavam a namorar. Ja tendo me mudado para os Estados Unidos havia muitos anos,  eu, que sempre admiro a arte dos bons atores e humoristas,  não estava por dentro das revelaçōes que floresceram depois que deixei o país, por causa de uma resistência congenita a assistir televisão, que, entretanto, não é parte de nenhuma posição crítica, contra essa atividade. Quando morava aí, eu ainda acabava seguindo tal novela, ou programa, na carona de outros, mas aqui, nos Estados Unidos, nunca. Ainda por cima agora, que a imagem e burrice do Trump é tão frequente, no vídeo, como já foi a do repulsivo Bush.

Sem saber, então, que Maria Clara Gueiros era uma estrêla, já fiz ideia do seu talento, mesmo antes de encontrá-la pessoalmente,  pela descrição de Edgar, cujo senso de humor é dos que mais admiro, “… tem gente que pode falar qualquer coisa, que ja sai engraçado…Clarinha é assim, parece que  basta abrir a boca, e seja lá o que diz, já sai  espirituoso…”.

De fato. Sendo tão companheiros, Edgar e Clarinha ja fizeram muitas visitas a pessoas chatas, do tipo que alugam os seus interlocutores, com uma conversa que só interessa a eles mesmos, e, sacando ou não,  continuam falando, sem parar. Contando  uma dessas visitas, Edgar me disse que,  submetida a  um desses monólogos absurdos, Clarinha diz pra si mesma, ou pro vento, ou melhor, para os deuses do bom senso,   numa voz bem suave e fina (que o chato em questão não ouve) sublinhada pela expressão de total desapego, que só ela sabe fazer tão adequada, “Foda-se!…”

Morri de rir, visualizando tantas ocasiōes, dignas desse foda-se.  Muita gente pode achar que dizer tal palavra, contra pessoas que falam, sem ouvi-la,  não deixa de ser  ridicularizar essas pessoas  pelas costas,  mas o fato é que estas não ouviriam  nada construtivamente crítico sôbre sua atitude auto-centrada, mesmo que gritado, ou, ao contrário, cuidadosamente explicado. O Foda-se, então, serve a quem o exclama, como extravasão, e ganha a força de um mantra, como invocação  do  que me referi como  deuses do bom senso, quer dizer, como chamado – lembrança, da qualidade de  auto-critica, ou melhor consciencia de si, e dos outros.  O tom e expressão com que Clarinha  o exclama, tornando-o  engraçado e querido, redime a agressividade da sua mensagem em comum, com, “…E daí?”, ou, “…Ninguém tem interêsse em ouvir o que vc esta falando!…”, frases que somente ofenderiam, sem causar melhora, ou alívio, a ninguém. Mas o Foda-se, de Clarinha, transmitindo crítica, ao mesmo tempo que sendo humoristicamente fofo, se torna um mantra, ou palavra que, aliviando quem a pronuncia, tem também a  dimensão metafísica de ser prece, nesse caso, prece contra a auto-importância, o que resulta de desmesurado apego, a si mesmo.

Foda-se é um verdadeiro mantra de desapego. As ocasiōes que, sozinha, visualizei dignas dele, foram de grande auto-ajuda, por incluir aquelas em que eu mesma, preocupada com bobagens que nada mudariam, nem no campo das ideias, nem no da prática, me dei conta de como estava sendo  auto-importante. Mais notadamente, antes, e durante, rituais de Ayahuasca. Antes, quando o mêdo do que viria pela frente, na antecipação de não me sentir bem, ou de vir a ver coisas que não gostaria, ou até de pirar de vez, se transformou em riso, na lembrança do foda-se. Durante, quando eu, na minha necessidade de contrôle dos meus objetos pessoais, mesmo sem precisar deles, temia ter perdido de vista o celular, ou a garrafa d’água, e estava muito na fôrça,  para mudar de posição, quanto mais para procurá-los, a lembrança do foda-se não so me tornava consciente do meu excesso de apego, como o dissipava, transformando-o em gargalhadas.  Também me ajuda frequentemente, na fase mais calma e reflexiva dos rituais, quando saco fraquezas do orgulho e do ego, não so minhas, como de outros,  e o foda-se, se revela pra tudo aquilo grande remédio.

Sem ser erudita no assunto, ouso dizer (ou repetir, o que no mínimo ja devem ter dito…afinal, nem li Bergson, pra começar) que o humor, em si, já é  desapego da lógica que nos acorrenta, e por conseguinte, da gente mesmo. Mas humor, quando repetido, perde a graça, enquanto que, no que Clarinha me explicou chamar-se bordão, eu vejo, ao menos nos bordōes que ela inventa, a dimensão  auto-renovadora (são engraçados, a cada repetição) curativa, e metafísica, de um mantra. O seguinte, que me vem agora `a mente, é o Sai daqui!, que ela exclama com uma voz ainda mais fina, numa irritação que, caricaturada, parece caçoar de si própria, ao mesmo tempo que da chatice de quem quer afastar.

Nesta época, em que somos constantemente solicitados, chateados, e interrompidos, com os milhōes de alertas digitais que  nos rodeiam, nessa velocidade de comunicação que consegue ser mais invasiva que nossos próprios pensamentos, dilacerando-os com frequencia, sempre há alguem pra representar novas e injustas interrupções,  merecendo ouvir um, Sai daqui!, expressado ao modo da Clarinha. A lembrança da intonação que ela faz, e que, com irritação caricaturada, consegue rir de si mesma, no próprio rejeitar de quem  está sendo insuportável, é  pedido de cada macaco ficar no seu galho, como prece de diferença, na propria igualdade : Vá pro seu lugar, e me deixe em paz, no meu! Alivia, pelo humor, satirizando o próprio explodir de quem o exclama, enquanto repele a chatice de quem o levou a exclamá-lo, sendo portanto mantra de justiça; repetitiva reza a valores invisíveis, com sua respectiva dimensão metafísica.

Se vou usar novamente, o exemplo de um ritual de Ayahuasca, para ilustrar como a lembrança do Sai daqui me ajudou,  não é por só conseguir ver mantras, nesses bordões, quando sob o efeito do chá, mas, bem ao contrário. Aquilo que nos ajuda  no confronto com a  força do Ayahuasca, quando, entre mêdo e glória, nos encontramos muito mais sensiveis e perceptivos, pode nos ajudar em milhões de outros casos, que estão longe de tal extremo. Voltando então, ao Sai daqui,   a lembrança deste também cai como uma luva,  quando penso no ritual de Ayahuasca dessa recente visita minha, ao Brasil. Uma dessas pessoas que se consideram eleitas, pelo chá, era uma mulher que se achava com o dever de inspirar todo mundo, acompanhar qualquer um ao remoto banheiro, ficar esperando como um sentinela, e encher o saco com seu ar condescendente. Num dado momento, ela decidiu sair de onde estava, no círculo, e vir me ‘ajudar” com uma série de cliches, ( o sagrado feminino em todas nós…jogue a fraqueza fora e blá blá blá) quando eu estava no pique da  força. Sob várias visōes reveladoras, tive que fazer o esforço imenso de sair de dentro de mim, e ouvir o que ela me dizia, pra  finalmente realizar que não era nada. Sai daqui!, é o que lembro na voz da Clarinha, quando penso  naquilo, e morro de rir. Assim, tenho que repetir: o que consegue ser mantra, sob Ayahuasca, mantra  sempre será.

Obrigada, Clarinha!

 
  • 17 de out. de 2017
  • 6 min de leitura

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Sua Majestade, O Avião


Depois de muito bate boca no aeroporto, onde o pessoal da United não queria honrar o que nos informaram no telephone, ao vender as passagens do Colorado ao Brasil, achei que ia desistir da viagem. O último “não pode” da United não tinha sido informado no check in on line, nem na compra da passagem no telephone e, ao contrário do que nos haviam assegurado, eu não poderia checar minha bagagem de lá até o Brasil. Queriam que eu a retirasse em Houston, e fizesse novo check in. Mas eu só teria uma hora e meia em Houston, o lugar de conexão, e ficaria apertado, afora o fato de que se haviam garantido o contrário, deviam ver que nós, passageiros, ainda não somos totalmente aquela “boiada”, sem direito e sem pensamento próprio, e que eles ora dirigem pra cá, ora pra lá, a seu bel prazer. Falei que não pegaria a mala em Houston, e se não houvesse outro jeito, que nos devolvessem as milhas, e veríamos isso em juízo. Eu estava mandando qualquer coisa; só sabia que não faria novo check in em Houston, com aquela mala enorme, e pouco tempo. Parecia birra, pois tanto a funcionária da UA, quanto o meu marido, me asseguravam que eu teria tempo o suficiente. Enquanto eu insistia, batendo o pé no chão, que NÃO iria mais viajar se tivesse que fazer aquilo, perguntei-me se estava sendo por demais intransigente, mas mesmo assim, não mudei de ideia. A despeito de todo auto-questionamento, havia em mim uma proibição de fazer o que eles sugeriam. Depois que 4 funcionárias vieram assistir o nosso problema, insistindo que não tinha jeito, a quinta delas resolveu refazer as passagens, a meu pedido. Cumprindo assim, uma das exigencias burocráticas da companhia, que até então nunca fora preciso, ela informou que a bagagem, afinal, seguiria dali, diretamente para o Brasil.

Aquele conflito levou bastante tempo, de modo que tive que ir às carreiras para o portão do meu avião pra Houston, onde faria a tal conexão de curto tempo para o Rio, durante a qual eles ainda esperavam que eu me esbaforisse pra pegar e novamente despachar a minha mala, tendo que passar novamente com todo o resto das minhas coisas pela segurança, que todos sabemos o quanto é desagradável . Liberada pela quinta funcionária, corri para o portão de embarque, e fui informada que o aviao não estava podendo pousar talvez por toda a hora seguinte, por causa dos ventos nas Montanhas Rochosas! Claro que eu nunca teria tempo de checar mala nenhuma em Houston- como eles haviam a princípio insistido- pois talvez nem conseguisse chegar lá a tempo de pagar o vôo para o o Brasil. Dormir em Houston, pra pegar o do dia seguinte, nem pensar. Talvez voltar pra minha casa em Boulder, dali mesmo. Mas pra isso, eu teria que ir num customer service, pra tentar recuperar a tal mala que fôra despachada com tanto custo, para que não seguisse sem mim, para o Brasil. Sem saber o que fazer, fiquei me queixando no telephone para gregos e troianos, e todos me aconselhavam ter paciência. Mas como, se diziam que o avião estaria atrasado por uma hora, ou mais? Não tinham realmente previsão… Se fosse só uma hora, eu poderia ainda ter tempo, de me lançar `as carreiras de um portão ao outro, no aeroporto de Houston, mas se fosse mais do que isso, eu iria a Houston pra passar a noite la, e preencher formas, para que minha mala, o primeiro problema naquele aeroporto, fosse retornada.  Ja estavam avisando que um dos aviōes que não pudera pousar fôra desviado para Fort Collins… Melhor mesmo começar a bater em retirada, e adiar a viagem para o mes seguinte, ou, do jeito como eu estava estressada, sabe se la pra quando. Descarregando a minha irritação naquele pensamento, quando eu menos esperava, começo a ver, daquele mesmo portão onde embarcaríamos, um monte de gente saindo. Que avião havia chegado sem ser anunciado? Ali naquele portão, so podia ser o nosso, o de Houston… E era! Havia alguma chance, pra mim… Afinal, melhor prosseguir. Só devia estar preparada para, tão logo chegasse em Houston, voar fora daquele veículo celeste o quão rápido possível, para seja lá onde fosse o portão do que iria pro Brasil, esperando ter chance de alcançá-lo.

Ouvi musica durante o vôo, e aquela parte inicial da viagem passou rápido. Eu estava na primeira fila no interior do avião, e mesmo sabendo que ainda havia pessoas dentro dele, com conexōes mais breves do que a minha, na hora em que paramos no portão de chegada, me lancei porta afora, corredor acima, puxando minha bagagem de mão, sobre as rodinhas que nessas horas fazem milagres, e logo me vejo entre outros vários passageiros desabalados, por corredores que pareciam infinitos. Digamos que se meu portão fosse, por exemplo, na letra C41, eu havia saído no A1, tendo então os super longos corredores da letra A, B, e mesmo C para transpor, até o local de embarque do meu segundo avião. Não só consegui como, fazendo parte do grupo 1, fui uma das primeiras a entrar.

O oco interior da elipse esterilizada do frio veículo alado, exato, e preciso, foi a recompensa depois de tantos conflitos, tumulto e correria, o espaço incolume além da burocracia e passaportes, como que alem do bem e do mal, quando as identidades, ja provadas, discutidas, examinadas, já não significam mais nada. Quando se entra num avião, cada pessoa nao é mais do que o voto de fé incondicional no artificio. A terra, ou o chão, que sob qualquer outro veículo representa salvação, quer dizer, possibilidade de parar e andar com nossas proprias pernas, caso haja problema com o motor que nos transporta, passa a significar, no avião, o que deve ser evitado a qualquer custo, até o momento de chegada. O que é normalmente solidez e firmeza sob nossos pés, o próprio palco do desenrolar de nossa vida, passa então a representar a morte. Dentro do veículo voador que opera, durante seu percurso, essa total inversão de horizontes, transformando o ar em chão, e o chão em “fim”, nos entregamos por inteiro, conscientes ou não, sem questionamento.

Por isso, a sensação de me jogar no meu determinado assento é sempre de imenso alivio, e absoluta liberdade. Dali pra frente, não mais responsáveis por nós mesmos, temos que ficar em nossos assentos, e, sem nada poder fazer, fora e acima do mundo, somos obrigados a “deixar rolar”, e ficar consigo próprio. A transição entre um lugar e outro, nas asas artificiais da velocidade, permitindo-nos esse momento de meditação, leitura, ou reflexão, na entrega aos desígnios de Deus e do artifício, reune novamente todas as partes do nosso eu que foram fragmentadas pelo caminho, e pela vida. Ninguém vai nos chamar ali, ninguém vai nos pedir alguma coisa, ou esperar que façamos isso ou aquilo; durante as horas que ali passamos, nada mais nos é cobrado.

O avião, alcançado depois de esforço, planejamento, gasto de dinheiro, confrontos com burocracia, tecnocracia, polícia de segurança e, como nessa vez, lutas no aeroporto, é a majestade que tem, dentro de si, nosso reencontro com nós mesmos, içando-nos sobre o mundo. Na exatidão do seu interior, podemos revisitar nossos vagos sonhos e negligenciados pensamentos. Aviōes são escravos reis, que violam distancias com submissão imperativa e precisão categorical. Acima das curvas das nuvens de cores madrepérola, onde anjos devem se esconder, o pássaro artificial perfura, imperdoável, o azul do ceu, unindo obediencia e servidão, assim como o confinamento de nosso corpo e a libertação de nossa alma. Veículo da velocidade e da contemplação. Reis, que podem dispor de nossa vida, e servos, que anulam as distancias que queremos transpor. Seres da transição, promovendo a contemplação. Confinamento obrigatorio, no vôo do coração. E assim ele começa a se mover, vagaroso, a princípio, mas determinado, até que ascendendo, fura a atmosfera com a certeza da geometria e a determinação do amor, como que num aéreo ato sexual entre a natureza e a máquina. Dentro desta, participamos, com nossas visceras e nossa mente, na comunhão da ascensão com a velocidade, no rugir do motor vibrando em nosso âmago, e na infinitude do azul.

Acho que posso me considerar feliz,  só por amar ascender com sua majestade, o avião.

 
  • 3 de out. de 2017
  • 4 min de leitura

A maçã, enquanto símbolo, representa a queda do paraíso, a consciência do mal e do bem, o fruto da árvore do conhecimento, a tentação, e no mínimo, muito mais.  Coitada, da maçã, mas finalmente, ela é a fruta que melhor se pode dividir ao meio, e  transforma-la em metades opostas.  A maçã representou os Beatles, e nos tempos atuais, a marca do Steve Jobs. Os lançamentos Apple não deixam de fazer jus a simbologia religiosa, abrindo acesso ao reino do conhecimento, da exatidão, e das regras,  que é o reino do ego, da parte de nos que, intelectual ou não, cientista ou não, separou-se de Deus. O  ego representa a gente, sem ser, exatamente, a gente. No seu reino, o que verdadeiramente somos, vive por "procuração", através dessa ferramenta de sobrevivência, que na verdade não  chega `a nossa essência.

Por outro lado, Ayahuasca  não é símbolo; Ayahuasca é a voz da floresta, o resgate do sagrado, a reconciliação das divisōes. Ayahuasca é. O reino do Ayahuasca é o nosso coração, o nosso ser direto, ao invés de representado.

Tudo isso pra dizer, que nessa recente cerimonia, que meu filho organizou aqui nos Estados Unidos, com um maravilhoso Shaman de passagem com sua “entourage” (a cantora oficial, o rapaz americano  que o vem acompanhando fora do Brasil, e a tradutora)- numa casa, no alto das montanhas-  o reino do ego estava presente, tão aguçado e feroz, a ponto de só ver, no mais leve afeto entre os participantes, a possível tentação para o sexo, ou o “desrespeito” de manifestaçōes individuais, mesmo que em discretas e curtas trocas de impressōes,  e, na espontânea contribuição criativa de qualquer um deles, um desrespeito ao espaço do Shaman. O ambiente, mais do que repressivo, era castrador, e, abafando a espontaneidade criativa de cada um,  me fez lembrar o que um de meus tios dizia, “não há ninguém que não possa acrescentar `a gente alguma coisa; seja pobre,  ignorante, ou discriminado da sociedade. Aquele tio, socialite e snob, nem por isso se tornava incapaz de ver a inesgotável riqueza do indivíduo, o indivíduo “nu”, quer dizer, além de todas as atribuiçōes sociais e valores culturais. .

A maçã como símbolo , agudamente presente, era a censura que justificou aquele cara ficar patrulhando todo mundo.   “Ego adora regra,  autoridade, divisōes entre o que pode e o que não pode, e consequente destruição de toda e qualquer espontaneidade”, ja me disse o meu analista junguiano, experiente, e sábio. Hat off, to him.  O rapaz americano se imbuiu de uma autoridade de policial, e no seu volumoso tamanho, patrulhando a pequena sala, mais do que cheia, com vinte e três pessoas,  dava a impressão de alguém encarnando a inquisição espanhola. Vigiava tudo que se fazia,  que se dizia, sem ajudar ninguém em nada, quer dizer, sem ser um daqueles maravilhosos guardiōes, formados por nosso querido Txana Bane. Estes, não só davam o maior apoio,  como geralmente cantavam bem melhor do que os que tivemos, nesta mais recente vez.

Claro que cada pajé tem o seu estilo, e se  o que tivemos dessa vez ditou regras para aqueles que o acompanhavam transmitissem aos que participavam, então que a tradutora, e esse patrulhador, tivessem avisado no começo da cerimonia, ao invés do cara ficar rudemente reprovando  as pessoas, dando bronca num que tocou, num intervalo, sem pedir licença (ele não sabia) mostrando mesmo autoridade, pra todo mundo.  Ja participei de muitos rituais, com Shamans diferentes, e de tribos diferentes, mas isso nunca aconteceu. O índio, o Shaman, reflete a espontaneidade, a disciplina, e a  incessante abertura do Ayahuasca pra criatividade. Os índios transmitem a maior convicção, naturalmente, e essa é a sua autoridade. O civilizado, por outro lado, encarcerado no domínio do ego, tem que seguir regras, justamente por não ter convicção, e zero, de espontaneidade.

A tradutora oficial, por outro lado, reportava tudo que o Shaman falava com todo o seu ser, num tom de cansaço condescendente, como se estivesse fazendo algum dever de casa. Esses sim, são desrespeitosos. Afora isso, ela, mais que brasileira, me chocou com a sua incapacidade de confessar ser originaria do Brasil. “sou de muitos lugares, porque vivo em muitas partes…” foi a sua resposta, evocando um dos personagens mais pedantes, de Proust.

Tenho uma prima que conheceu esse Shaman em Londres, e participou de Ayahuascas com ele, organizadas pelos amigos dela, e me disse que jamais houve esse tipo de clima. Me pergunto: se Ayahuasca não ensina humildade, um pouco que seja desta, para esses ocidentais que se agarram com a autoridade que imaginam merecer, o que, então, pode ajuda-los?

Isso reverte ao que sempre pensei, e ao que psicólogos também dizem: querer chegar ao transcendente, sem cuidar antes dos seus problemas humanos, da sua carencia, dor, e o que leva a essa imensa e inadequada auto-importância que se reflete na   vaidade pessoal, é como querer atingir o último degrau de uma grande escada, pulando todos os outros que levam até ele. E isso é muito mais comum do que se pensa. Ninguém quer encarar a confusão da sua  dimensão humana, pensando que pode ser um eleito de Deus. Mas Ayahuasca, na sua extrema generosidade, vai chegando `as pessoas certas, e “desculpando”, quem sabe, as erradas. So espero que estas compreendam que os índios não precisam da sua censura, e devem trocar a autoridade de um policiamento inadequado, pela humildade de um coração aberto.

Mais uma coisa sobre a maçã, que, no que vem a seguir, se refere `a marca Apple: Tivesse Steve Jobs, que era um místico, e vivia citando a abertura que lhe deu o LSD, conhecido o Ayahuasca, ele mudaria o mundo pela segunda vez: a conexão eletrônica que, na internet, liga gregos e troianos, aqueles cheios de raiva aos que por eles são detestados,  seria substituída por uma muito maior: a ligação inclusiva do amor, na rede entre todos os seres da criação, que os liga `a terra e ao cosmos, pelo mão de Deus.

Quem conseguiu dar a forma do iPhone, ao cordão umbilical de tantos, conseguiria isso também!

 
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