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COLUNAS

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  • 25 de jul. de 2017
  • 4 min de leitura

Ainda aqui na Espanha, e agradecendo a Deus por isso, penso que Edgar estava certo ao dizer que os espanhóis são os latinos dos latinos, indo pela noite afora, sempre festivos. Aqui, sente-se o calor do sol, das emoções, e da conexão com os semelhantes, mesmo sem conhece-los, na espontaneidade da vida prosseguindo dentro e fora dos apartamentos, uma vida exuberante que expōe as pessoas, e é compartilhada por todas. Nessa excelência de sol, mar, paixão e devoção,  os latinos não se intimidam pelos extremos do sentimento, porque são pessoais, dramáticos, barulhentos, e catárticos, podendo expressar emoçōes opostas, em curto intervalo de tempo, sem se sentir incoerente, ou ser julgado bipolar.

O grande cineasta Almodóvar, ao expor um mesmo personagem de ângulos opostos, anula os limites entre certo e errado, delinquência e sanidade. Sua intensidade é metafísica, porque alcança a dimensão do amor além da moral, da classificação de sexo, e de todos os rótulos; um amor, através do qual, o crime pode se tornar sublime. Não foi Benigno (Hable con ella) um salvador, ao fazer sexo com a paciente em coma, desacreditada pelos médicos, e que ele tanto amava? Não foi ele sublime, ao manter constante diálogo com ela durante meses, e, a despeito do que pensa a ciência médica, acreditar que se comunicavam, a ponto de ler o pensamento da moça?

O amor metafisico é um amor de alma pra alma, uma comunhão. Em seu silencio, dois individuos se encontram no mesmo ser.

Passando para outro exemplo, ao se contemplar a beleza de La Sagrada Familia , na irridescência interna das cores, projetadas pela luz, cruzando-se em dimensōes que parecem vencer o espaço, em direção ao céu, libertando-se igualmente do tempo, a gente sente a presença divina, e até sem perceber, vai acreditando mais e mais , `a medida que se vai mais e mais se rendendo ao belo, ao que  nos transcende: A fé é a dimensão metafísica da beleza.

La Sagrada Familia é expressão de absoluta liberdade artística, e paradoxalmente, na sua perfeição, é também aquilo que deve ser; surgir do jeito conforme surge. Pois, a única lei que rege a verdadeira liberdade é a vontade de Deus.

A fusão de estilos e artistas diversos, a seriedade lúdica, na mistura de simbologia e realismo, a inocência em dar aos  adornos externos  significado literal, a explosão interna de cores iluminadas, e externamente, o aspecto de castelo de areia, ornamentado de conchas, flores, estrelas, assim como as pombas brancas da Natividade, dão, `a basilica, a leveza infantil do sonho, ao mesmo tempo que a seriedade, visceralmente gótica, do absoluto respeito religioso. Olhando La Sagrada Famillia, me pareceu que gotas gigantes de areia molhada escorreram das mãos de anjos, empilhando-se umas sobre as outras, ao ascender em sua  direção, formando esse templo de prece infinita, `a volta do qual, querubins brincam, adornando-lhe as façadas, enquanto o mar e as plantas da terra, os bichos e as frutas, o presenteiam com suas cores.

Arrepia pensar que Gaudi, sabendo que não viveria para ver sua obra completa, disse que Deus não tem pressa, e a basílica será concluída quando todos os seres da terra houverem alcançado sua maturidade, perante  Ele. Isso me faz lembrar a profecia Lakota, que também sugere, como conclusão final de todos os conflitos, a maturidade a ser alcançada. Conversando, há poucos dias, com o cacique Black Spotted Horse, aprendi que segundo os Lakota, haverá um resgate do que, pra eles, era uma união original da cultura indígena, com a dos que vieram a construir as cidades. “Deus não tem pressa”. Quando alcançarmos maturidade diante d’Ele, ou, quando resgatarmos a harmonia de uma unidade original, como no mito Lakota, a Sua vontade terá sido feita.

Enquanto isso, o lado vândalo da civilização, sob o jugo de um materialismo desvairado, tem cegueira imperdoável, e não só constrói oleoduto sob território Lakota, profanando qualquer sitio sagrado que lhe renda lucro financeiro, como cospe no seu próprio prato, boicotando seus  monumentos espirituais; o que é prova de que -para usar uma metáfora de Oscar Wilde (“We are all in the gutter, but some of us look at the stars”) –  estamos todos na sarjeta, alguns olham para as estrelas.

Ao contrário de Almodóvar, que, por motivos visceralmente profundos, redime o crime, no sublime, a mente “civilizada”, quando bem lhe apraz, transforma o que é crime em lei, pela total superficialidade de permissōes burocráticas. Assim, constrói oleoduto sob terra Lakota, e túnel para rápido transporte, sob La Sagrada Familia.

Inversamente ao coração, que não pode julgar porque sente, a mente racional não pode sentir, porque julga.

Esperemos que, ao invés de ponto final, isto seja apenas um estado de transição. Esperemos que, como na visão de Almodóvar, em que leis não são exatamente quebradas, mas sim superadas, o crime seja redimido no sublime; que, como no mito Lakota, haverá reconciliação dos conflitos.

Enquanto isso, podemos lavar a alma na contemplação da Sagrada Família; na experiência da fraternidade universal que ela representa.

“Deus não tem pressa”: Um dia, a velocidade e o petróleo serão superados.

 
  • 18 de jul. de 2017
  • 3 min de leitura

Vindo de Cabourg, logo no aeroporto de Ibiza, encontramos Benki e seu grupo, chegando do Brasil. Foi providencial, pois, trocar de país é como passar de um universo a outro, mesmo que seja de praia pra praia, costa de um, para ilha de outro, como no nosso caso. A língua, o clima, a expressão emocional das pessoas, tudo muda tão aprubtamente, que a gente, atordoado, sente como se nossa alma estivesse ainda ficado no lugar que deixamos, e o corpo, traindo-a, continuado.

Eu e minha familia viemos assistir ao encontro de líderes indígenas do mundo, no qual os Ashaninka fariam parte.Quando vimos Benki, caminhando com seu grupo, leve e intenso, como uma estrela cadente, fomos abraça-lo, e senti como se ele me tivesse devolvido o foco; resgatado o que ainda, em nós, se debatia entre dois mundos.

É bonito ver o amor e consideração que ele e sua mulher, Roseli, moça doce, discreta e querida, repartem. Moisés, seu irmão, é outro pajé Ashaninka super considerado, que veio com eles. A coincidência de chegar num aeroporto ao mesmo tempo em que chegou o grupo Ashaninka- logo antes de pisar no mundo diferente que, la fora, se desenrolava- teve o efeito de uma melatonina espiritual, como que realinhando todas as partes de nós, fragmentadas, ainda, pelo espaço e pelo tempo.

No caminho para o hotel, lembrei-me de um ritual de Ayahuasca de que participei na floresta, quando vi padrōes Norte Americanos, projetados nas pernas dos índios que cantavam, `a volta de Benki. Na ocasião, me perguntei o motivo daquelas visōes. Nada que Ayahuasca manda é gratuito, e a densidade de suas revelaçōes vai se destilando pelo tempo, de maneira que muitas delas podem levar meses para ser “traduzidas”. Vi também, naquele mesmo ritual, um homem idoso, cuja vestimenta era feita, também, de padrōes e cores da bandeira norte Americana. Pensei tratar-se do “tio Sam”, mas por que?

Dólares jorravam para o ar, `a volta da entidade Norte Americana, num momento crucial. As cores, sempre irridescentes nas “visōes” que manda o sacramento da floresta, tem uma luminosidade própria, que vem de dentro delas; sua luz é a de seu próprio ser, ao invés de resultar, como na realidade trivial, de qualquer foco de luz externa, seja do sol, seja de lâmpadas artificiais.

Quem seria, aquele tipo de tio Sam? Por que Ayahuasca me permitia ve-lo? E os dólares, por que?

Na emocionante cerimonia de abertura do Aniwa (nome do encontro que mencionei) percebi, ao ver o cacique Americano Spotted Horse, que fora ele, o “tio Sam” da minha visão. Vestia a mesma roupa com as cores da bandeira, cujo azul escuro era semeado de círculos brancos, ao invés das estrelas que, na visão, também não estavam na sua roupa. Ja idoso, ele se apoiava numa bengala, para caminhar, mas sua voz era mais poderosa do que a de muitos homens moços. Para quem não sabe, Spotted Horse é um líder Lakota, sob cujo território o governo Americano, com o cataclísmico Trump, anulou a decisão anterior de Obama, e permitiu que se construísse um oleoduto. Tudo, claro, pela causa do dinheiro. Para que dólares e dólares jorrem, como na minha visão. Nesta, entretanto, havia um toque celebratório, que seria, talvez, anunciador do Aniwa. A gente sempre se impressiona com o sincronismo do Ayahuasca, e mais ainda, quando este se projeta, clarividente, no futuro. Gostaria também, a partir da euforia colorida da minha visão, esperar mais alegria para os índios e o planeta no futuro… Quem sabe? Ha que se acreditar, até por simples coerência de querer continuar nossa vida, neste mesmo planeta. “Never, never, never, give up” disse Churchill, com a sabedoria transcendente de um guerreiro. Repartindo, também, outras de suas inspiradoras palavras, que salvadoras, revelam não somente uma fé inabalável, como prova fundamental de dignidade, “ If you are going through hell, keep going…” ele disse.

Benki, entre todos os que rezaram, nessa abertura, foi o único que olhou para o ceu, e pareceu ascender, com sua prece. Moisés entoou um belo canto Ashaninka, com sua voz única, de outra dimensão, e os líderes Huni-Khuin e Yanawa cantaram, também, na sua língua original. Houve uma dança de tirar o fôlego, the deer dance, executada por um índio mexicano da tribo Mayo Yoreme. Enquanto seus dois companheiros tocavam percussão, ele se movia sem parecer tocar o chão, sacudindo dois chocalhos, em movimentos circulares, produzindo som e ritmo de “outro mundo”, movendo-se com a agilidade de um animal, de espécie desconhecida.

Os índios sao sempre surpreendentes. Pertencem sim a uma espécie ainda desconhecida, pois sua grandeza nunca foi totalmente compreendida. O dia em que for, as preces do Aniwa para o bem da natureza terão sido ouvidas. Podemos estar certos disso!

 
  • 11 de jul. de 2017
  • 3 min de leitura


Como todos, ou quase todos os seres humanos,  a escultura que Edgar fez de Marcel Proust levou nove meses de gestação, a partir da concepção da idéia, `a sua inauguração. Nove meses de comunicação vaga e demorada com as autoridades locais causavam ansiedade; nove meses de suspense.  E se os franceses na verdade não apreciassem esse tipo de escultura mais casual, com que as pessoas podem interagir? E se só gostassem da maneira tradicional de tornar o modelo esculpido um monumento sobre pedestal,  para ser olhado de baixo pra cima, fora do alcance direto dos espectadores? Eu repartia o questionamento de Edgar, pois, como falei, as perguntas que este fazia, levavam semanas e semanas para serem respondidas.

Devia se estar preparado pra qualquer tipo de recepção, mas, quem diria, o ressurgir de Proust em Cabourg/ Balbec, foi abençoado. Depois do caloroso discurso de Tristan Duval, prefeito atual de Cabourg, Gonzague Saint Bris, autoridade proustiana e escritor francês célebre, referiu-se `a  estátua como “magnifico trabalho”, confessando ja te-la visto e achado que  esta mostra  o caráter intimo, ao mesmo tempo que comunicativo, de Proust. Questionando como fora possível um dandy, que passara a maior parte da vida doente e acamado, despertar paixão no mundo inteiro, Gonzague  concluiu brilhantemente, que não foi por ter ele discorrido sobre assuntos gerais, mas sim por se reaproximar de si mesmo ilimitadamente (`a la folie) ressonando, então, tanto com os japoneses, quanto com os americanos, e outros tantos através do mundo; falando `as mais diversas pessoas. (Afinal, este proustiano reaproximar  de si mesmo busca o eu profundo, o que, ignorado pela maioria,  concerne a essência de cada um, prometida e procurada por meditações de todo tipo, psicologia transpessoal,  Junguiana, e New Age).

Com a típica ousadia da inteligência francesa, que tão bem harmoniza intimismo e objetividade, paixão e intelecto, M. Saint Bris passou da dimensão histórica, psicológica, e factual, para a do espírito:  Declarando ser a inauguração da estátua um momento de comunhão mundial, concluiu que Edgar, com seu antigo sobrenome francês, de uma família estabelecida no Brasil depois de várias gerações, havia sido escolhido “lá de cima” pelo próprio Proust, para fazer sua escultura e traze-la a Cabourg.

A  estátua, com efeito, tem vida,  não só pela sua elegante semelhança com Marcel Proust, mas por sua natureza interativa, com que os franceses imediatamente se familiarizaram, na maravilhosa e dinâmica possibilidade de se tornar íntimo, com ela.  A vida, na interação,  consiste na solicitação não somente da observação do espectador,  mas também da sua imersão no clima da obra, quer dizer, sua participação pessoal. Como na Contemplação Interativa,  estilo  contemporâneo na arte de instalação, o espectador contempla, ao mesmo tempo que a imersão de sua presença na obra se faz necessária para que esta se revele, tornando-o, também, sujeito.

Mais  adiante do que pura imersão na obra, a escultura de Proust dá ao espectador a chance de interagir com ela de modo pessoal: a possibilidade de recria-la.  Cada um tira um selfie na posição que quiser, ao seu lado, cada um se torna único, na particularidade de sua participação,  tornando a estátua igualmente única, no que dá de si.  Esta, na sua generosidade de tornar cada espectador também criador,  ressurge eternamente. Sendo criada e   recriando, ela expressa a essência dinâmica da vida. 


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Acho que M. Saint Bris está certo, ao pensar que Proust escolheu Edgar Duvivier para ressuscitar sua imagem e expressão. Depois de vermos diversos tipos de selfies sendo tirados com a estátua, regressamos ao hotel já tarde da noite, e percebemos um casal se beijando apaixonadamente, ao lado dela. Efeito de Proust? Inspiração de sua paixão, e da que ele próprio desperta?… Certamente!


 
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