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COLUNAS

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  • 2 de jan. de 2018
  • 4 min de leitura

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Piramyde of Kulkutan, Photo by Chris Dodds

Quando me mudei para os Estados Unidos, estava longe de imaginar que na vista de muitos, “virei a casaca”.  Embora goste do país, so me tornei  cidadã americana para facilitar minha situação legal, de mãe de familia americana, pois não me considero pertencente a nenhum país, assim como vejo em qualquer pessoa um cidadão da humanidade, quer dizer, alguém livre para, havendo ocasião, mudar-se pra essa ou aquela cultura. Como Oscar Wilde, acho que “Patriotism is the virtue of the vicious”. Me dei conta que o motivo que me faz ver em cada pessoa um individuo acima de condicionamento e circunstancias, é o fato de que nunca fui capaz de contextualizar.  Voltando `a minha mudança radical, quando fui primeiramente morar numa cidade rural em Iowa, que tinha somente 60 mil habitantes, muitos achavam que não iria dar certo. Afinal, sair do permissivo Rio de Janeiro, para um lugar pequeno, provinciano, super católico, considerado pelos próprios americanos como a cidade mais racista do país, pra estar com um cara de formação completamente diferente , não poderia dar certo. Como é natural, todos contextualizavam. Eu, entretanto, so via o caso individual, de gostar do homem que encontrei, confiar nele, e perceber que ele apreciava o filho que eu ja tinha, e que trouxe comigo. Pra mim, so isso contava. O que se passaria entre as quatro paredes, era o que determinaria como se “comportaria” o mundo la fora.  Morei 14 anos naquela cidade, e posso dizer que não foi fácil mas, ate um certo ponto, deu certo. O frio, que `as vezes chega a a 30 C abaixo de zero, não era problema, mas a mentalidade paroquial das pessoas, o fato de praticamente não haver estrangeiros, e o clima “incestuoso” de um lugar em que não ha anonimidade, e todos viram, por causa, o juiz do proximo, era de sufocante. Eu ali me destacava como uma carnavalesca, dentro de um escritório de executivos de terno e gravata. Meu sotaque envergonhava meu filho, que estava naquela idade em que as crianças esperam que seus pais sejam como todos os outros. Uma vez, telefonei para a casa de um amigo dele, pra saber quando deveria busca-lo, e foram lhe dizer que alguém que “não falava ingles” queria falar com ele. Pronto! Aquilo foi suficiente para ele me dizer furioso, que não telefonasse mais pra casa dos seus amigos. Não sei se tive mais pena dele do que de mim mesma, quando, chorando, contei o caso ao meu marido. “Mas voce fala muito bem!” disse este, Mas eu sabia que um simples sotaque, para quem nunca ouviu estrangeiros, é suficiente pra ser considerado ignorância. Enfim, ouve ocasiōes em que quase fiz minhas malas, pra voltar pro Brasil, e se isso não aconteceu, foi porque “as quarto paredes”, quer dizer, nosso caso individual, estava dando certo, mesmo que aos trancos e barrancos, sobrepondo-se ao contexto. Também porque, minha diferença foi sempre bem acolhida pelos Americanos, que pareciam ver charme em tudo que a expressava. Mas afora idas ao único e resumido shopping da cidade, ou ao único cinema, que so mostrava blockbusters Americanos, não tinha nada pra fazer ali. Alias, sendo a pequena cidade agraciada com uma pequena estação de sky, podia-se, através desse esporte, ficar em contacto com a gelada natureza. Assim, me lancei no snowboard ja na meia idade, quando Olivia, a filha que tive la, era ainda bebê. Insisti naquela atividade, durante cinco invernos, parando na emergencia medica, em cada um deles. No primeiro, quebrei o pulso, e passei três meses com o braço engessado. Para trocar a fralda de  Olivia tinha que complementar com a boca, como um cachorro. Mas continuei, ate finalmente ver, que sem empregadas, amigos, ou alguém que pudesse ajudar, eu não tinha condição de continuar me machucando.

Depois de morar naquela cidade durante catorze anos, percebi que Olivia estava sendo discriminada pelas amigas, pelo honrável fato de eu ter, exposta  em minha sala, uma escultura de mármore feita por papai, figurando um casal nu, e que eu mostrava `as pessoas com orgulho, sem saber estar chocando todas, decidi me mudar. A mulher do casal vizinho a nós, cuja filha era, também, amiga de Olivia, se chocava com o fato de me ver de mãos dadas, ou simplesmente abraçada com meu marido, na varanda. Vim a saber, que ela declarou não sermos bons exemplos, para crianças.E esta era uma mulher metida a alternative, que pregava Palatis, Yoga e meditação, e alias, gostava de encher a cara. Acho que eu fiquei dez vezes mais chocada com ela, do que ela comigo. Mas o que interessa é que percebi que se não saíssemos de la, Olivia eventualmente começaria a me discriminar em favor dos amigos, ou discriminar os amigos, a meu favor. Assim se iniciou, para nossa familia, uma serie de mudanças pelo país, e viemos, finalmente, parar em Boulder, essa maravilhosa bolha de espiritualidade, e pseudo iluminados, praticamente isolada, por um halo de contemplação, da realidade do resto do mundo, desfrutando da melhor maconha que deve existir, em mil meios diferentes de ingestão, e da constante busca de expansão da consciência. Em Boulder, senti-me mais perto da dimensão espiritual,  parecendo-me, portanto mais fácil passar pro lado de la, quando meus dias no planeta chegarem ao fim, pensei, logo que nos mudamos.

A individualidade no caso de minha familia continuou a “dar certo”, se não acima do contexto, lutando com este, e conseguindo se sobrepor. Desta feita, mesmo continuando a acreditar no poder existencialista de auto- criação do individuo, quer dizer, na dimensão que, única e absoluta, deste ultimo, esta acima dos fatos temporais, admito que vim, lenta e dolorosamente, reconhecer a fôrça do contexto em que este se encontra. A força das diferenças culturais, e de tudo que não é nem eterno e nem inato. Aquilo que torna os Estados Unidos um país odiado, ao mesmo tempo que admirado, copiado,  forjado, e aqueles que nele vem morar, “suspeitos”, para muitos. Aquilo que me fez ter pena dos mexicanos do resort que acabamos de deixar, no seu desespero de replicar uma realidade americana, que de México, não tinha nada.

Assim como a intensidade atemporal que as ruínas Maya transmitem, sobrepondo-se `a profanidade do nosso  mundo,  continuo acreditando no poder de cada um daqueles empregados do resort, se quiser, se ousar,  se sobrepor ao seu descaracterizado contexto. E com esta fé, em cada um, cada qual, desejo a todos Feliz Ano Novo!

 
  • 19 de dez. de 2017
  • 1 min de leitura

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Yesho, por Eleonora Duvivier

Quem  é voce, que mostrou com sangue,

O que fingimos entender,

Para só precisar obedecer,

Que pensamos reverenciar,

Na distancia, de falar?

Quem é voce, que ousou se deixar matar,

Encontrando o todo, dentro de voce,

Amando, para morrer,

Sofrendo, para renascer?

Quem é voce, que honrando a terra,

Conheceu o céu,

Que sem nada ganhar,

Tudo realizou,

Que foi só você,

Para em Deus, poder ser?

Quem é  voce,  constante revelação,

que pensamos adorar,

Transformando em repetição,

Que, na mão dos homens,

A nenhum pertence,

Que,  perdão na agonia;

Amor sob tortura,

É plenitude, no mistério?

Quem é voce, que disponível a todos,

É infinita ascensão,

Que na  cegueira de nosso pensamento,

Pode morar, em nosso coração?

Quem  é voce, que não içou  mente, sobre matéria,

Sobrevivência, sobre  sentença,

Mas coração, acima da carne;

Alma, além do medo?

Quem é voce, que pôde no grande, lembrar do pequeno,

No pequeno, enxergar o grande,

Voce, que lembramos, por dever,

Pensamos buscar, sem nenhuma dor,

Amando, sem verdadeiro amor?

 
  • 5 de dez. de 2017
  • 4 min de leitura

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Yawa Bane, by Chris Dodds

Não é atoa, que o apelidaram Trovão.Vim a saber disso, depois da nossa primeira experiencia com ele, naquela noite de verão fora do Rio, sob céu infinitamente estrelado.

Recostado  ao meu lado, Steve, de repente, me diz estar vendo uma  exorcizão.  Abri os olhos imediatamente, e bem ali, diante de nós, vi  aquela  mulher paralisada, trancada dentro de si mesma, gemendo de mêdo, e como uma múmia,  sem parecer respirar.  Os guardiōes- um time de ajuda formado e treinadopor Txana- ja haviam tentado traze-la de volta, entoando cantos, sacudindo penas sobre sua cabeça, exaurindo, enfim,  toda a pajelança que haviam aprendido, sem conseguir libertar aquela criatura, da prisão do seu próprio terror que,  contagiante, ja se refletia no rosto da  maioria dos participantes. A luz da fogueira próxima dourava todas as formas visíveis, ao mesmo tempo que projetava,  atrás delas, sombras gigantescas, por toda a tenda cerimonial.  Os tambores soavam alto, as flamas cresciam, auto-consumindo-se, e delineando a figura de Yawa dizendo palavras indígenas, sobre a vítima, enquanto agitava vigorosamente, grandes penas de águia, ao seu redor. Rezava, rezava, e nada parecia mudar. Algum desavisado que pudesse entrar ali, pensaria que tudo aquilo, no mínimo, fazia parte de algum cenário fictício, cinematográfico. Fumaça, palavras desconhecidas, penas coloridas, cocares sobre figuras que a luz do fogo tornava imensas, tudo pulsava, com energia de outra dimensão. Txana  passara a conduzir a cerimonia, para que Yawa, seu irmão, pudesse se ocupar da mulher. Ela e alguns outros, haviam tomado Ayahuasca pela primeira vez. Eu, sob a graça de ter visto o espírito que mais queria ver, estava incrivelmente tranquila, como que sabendo que tudo acabaria bem.

Tratava-se do segundo encontro Shamanico  internacional, no sitio S. José, e da nossa primeira experiencia com Yawa. Antes de começar o ritual, ele havia aconselhado a todos que não tivessem mêdo, pois Ayahuasca, sacramento da floresta, é a sabedoria mestra, e maior remédio. Mostra a cada um o que cada um precisa ver, e, sendo suas revelaçōes belas e boas, ou, ao contrário, aterrorizantes, poderia se aprender, com tudo que se viu,  e tudo passaria, dentro de quatro horas. “Confia na medicina”, ele me disse uma vez sabiamente, referindo-se ao chá, que me oferecia.

Yawa é confiança, assim como é confiante. É o único pajé que conheço, que viaja para qualquer lugar no estrangeiro, totalmente sozinho. Sem o apoio de acompanhantes, sem o conhecimento das línguas de outros países, (aliás, ja está começando a falar inglês) ele realmente se expōe, de peito aberto. Essa coragem é o que lhe permite aceitar, quando no estrangeiro, a participação dos hábitos, música, e criatividade do povo onde se encontra, honrando a verdade de que todo ser humano, pobre ou rico, velho ou moço, dessa ou daquela nacionalidade, tem algo a acrescentar. A verdade da própria criatividade, que,   além de regras, costumes, e tradiçōes, é tão imprevisível quanto a individualidade;  aquilo que, em cada ser, é a constante novidade da diferença.   A diferença, fruto da espontaneidade, algo que deveria ser fonte de renovação, assusta a maioria das pessoas, que prefere viver na falsa segurança da repetição, e assim o mundo vira uma competição entre diferenças, cada qual querendo se impor, e destruir o que não é seu reflexo.

Mathew de Grado, artista local, inteligentemente  observou, no começo de um ritual, aqui em Boulder, que o futuro, num planeta que se torna cada vez menor, está na fusão de culturas,  na conexão entre todos os homens, como indicava aquele círculo, formado por brasileiros e americanos, conduzido por um pajé da Amazonia. A  abertura de Yawa, o seu ser confiante, dando-lhe a coragem de dispensar a rigidez de regras de comportamento, (muletas que os civilizados que acompanham os índios tanto precisam, e tanto gostam de impingir, apossando-se da sua pretensa autoridade, e tornando-se, eles mesmos, autoritários por procuração) e permitir que o imprevisível -que é, por sinal, uma característica fundamental do próprio sacramento vegetal- se revele naturalmente, em cada um, e da parte de cada um.

Voltando `a exorcizão do encontro Shamanico, Yawa em dado momento, passa a falar em portugues, dizendo à mulher paralisada, “jogue tudo isso fora, irmã…”, enquanto continua a sacudir as penas. Ainda sem ter conseguido a liberação da vitima, ele finalmente a incorpora e vomita por ela, dentro de um balde que alcança. Logo em seguida, ela se meche um pouco, e finalmente bota “tudo pra fora”, vomitando, também. Devo aqui dizer, que esse “tudo” nao se refere ao chá ingerido, mas sim aos problemas e mêdo, que este trouxe `a consciência, ao “lixo”, que deve ser limpo. Limpo foi. A recuperação da mulher permitiu que Yawa, exausto, deixasse o circulo por um momento, e se abandonasse, por alguns momentos, de bruços, na terra la fora.

“Tem padres…”, sussurou Steve, que desmaiam quando exorcizam, tem uns que até morrem…, mas ele conseguiu, e deve mesmo, descansar”.

Para quem não acredita em exorcizao, por não acreditar em diabo, considere que este  é o mêdo, o que nos distancia de nós mesmos, e de Deus. Por isso, ja foi dito, que o contrario do amor não é o ódio, e sim o mêdo.   De peito aberto, Yawa o enfrenta, e o expulsa. E assim, permite que se renasça.

Amén.

 
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