Tungstênio
- Um olhar
- 29 de jun. de 2018
- 4 min de leitura

Tungstênio é o novo filme do diretor Heitor Dhalia que estreou dia 21 de Junho e foi baseado na história homônima do quadrinista Marcello Quintanilha, que teve sua HQ premiada em 2016 no Festival Internacional de história em quadrinhos de Angoulême na França, com o prêmio Fauve Polar-SNCF de melhor quadrinho no estilo romance policial.
O nome forte e estranho é o de um elemento químico extremamente duro, utilizado normalmente na confecção de luzes fluorescentes, armamentos e munição e que tem o maior ponto de fusão e ebulição entre os metais da tabela periódica. Como Heitor explicou em entrevista, Marcello a utiliza como uma metáfora que compara o metal duro a própria vida. E disse ainda: “É a forma como cada personagem lida com essa dureza, como você manuseia, atravessa ou contorna a dureza que a vida nos traz. E Tungstênio é esse ponto de explosão, o momento em que toda a banalidade do cotidiano e as tensões que estão submersas se deflagram.”
O longa que tem produção da Paranoid, coprodução da Globo Filmes e Canal Brasil e distribuição da Pagu Pictures,aborda temas difíceis como o abuso de gênero, o racismo latente, a pobreza e o uso da força em diversas relações violentas e reais de um Brasil contemporâneo.
A história se passa em Salvador e a trama se desenrola em função de dois pescadores que utilizam explosivos pra pescar e acabam entrelaçando o cotidiano de 4 elementos centrais. José Dumont , brilha como sempre e encarna o papel de Seu Ney, um sargento do exército aposentado, que continua a usar a rigidez dos tempos de outrora, o talentoso ator baiano Fabricio Boliveira vive o papel de Richard, policial violento e durão em conflito constante com sua esposa Keira que está prestes a largá-lo, cansada da violência do marido e é interpretada pela modelo e atriz estreante no cinema, Samira Carvalho, muito bem, aliás, nas suas catarses dramáticas, e o também novato e promissor ator baiano Wesley Guimarães, no papel de Caju, pequeno traficante que tem que lidar com a realidade nua e crua da periferia.

Cada um deles vai viver seus dramas pessoais e se depara com as ambiguidades e fragilidades do ser humano, o sargento durão também se revela doce com sua parceira nos bailes da terceira idade, o policial percebe que apesar de não conseguir deter seus instintos masculinos e violentos ama sua mulher, tem também uma esposa dividida entre obter o respeito do marido e resistir ao amor e desejo que sente por ele e o traficante que vive um drama de consciência quando sua sede de vingança esbarra com a possibilidade de ver sua mãe feliz.
Afinado com o quadrinista, o diretor tentou se manter ao máximo fiel à HQ original a ponto de Marcello elogiar o resultado final da difícil tarefa de transpor pras telas, toda a força de seu traço e disse ainda que isso se deve também ao excelente trabalho do elenco que agrega suas próprias experiências pessoais e dão vida aos personagens concebidos inicialmente pra um quadrinho, em uma linguagem totalmente viva e mutável de uma experiência cinematográfica.
Toda essa trama tem a voz de fundo do ator Milhen Cortaz que ao mesmo tempo que vai narrando e dramatizando as cenas, funciona como a própria consciência dos personagens, nossos anjos e demônios internos na eterna luta entre o bem e o mal.
O bacana do filme é que tanto Heitor que assina o projeto em parceria com Guel Arraes quanto Marcello que participa do roteiro juntamente com Marçal de Aquino e Fernando Bonassi, fizeram questão de retratar uma Salvador desconhecida da maioria de nós, os tradicionais cartões postais, cederam lugar a beleza do Forte de Nossa Senhora de Mont Serrat, da Praia da Boa Viagem, da Ponta do Humaitá e dos bairros da Ribeira e da Gamboa que mostram uma periferia esquecida e que normalmente fica à margem da sociedade soteropolitana.

Outro ponto forte do filme é a belíssima fotografia de Adolpho Veloso, que ao invés de usar o mesmo recurso do preto & branco da HQ, abusa da cor chapada, forte, com altos tons de contraste e um leve toque aveludado e azulado que torna tudo mais vívido e intenso. Interessante também o recurso do uso de alguns desenhos do quadrinista em momentos de tensão, onde se tem a reprodução desta mesma cena e o congelamento das imagens que nos remete direto ao universo de uma HQ e ao mesmo tempo evoca bem lá no fundo o cinema de Tarantino, tudo isso ao som constante de um berimbau que nos envolve num ritmo crescente e eletrizante.
Assim como o metal , o filme Tungstênio pode ser resumido num thriller denso, duro e resistente muito bem espelhado tanto nas imagens da pesca predatória com bombas até as luzes incandescentes de uma bela Salvador, mas que no fundo explode mesmo e chega ao seu clímax de ruptura ao fazer com que o expectador mergulhe nas emoções de cada personagem, vivenciando sua raiva, medo, dor e amor, sentimentos tão puros e inerentes a natureza humana.
Por Ula Pancetti
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