"Jardim do Éden", de Patrizia D’Angello, ocupa a Galeria do Lago
- andréia gomes durão
- 10 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
Patrizia D’Angello inaugura sua exposição "Jardim do Éden", na Galeria do Lago, no Museu da República, neste sábado, dia 14, às 13h. A mostra, com curadoria de Isabel Portella, apresenta 25 pinturas recentes e inéditas, e o conceito foi pensado a partir dos muitos banquetes realizados no Palácio do Catete, sede do Governo Federal entre 1896 e 1960, e que hoje abriga o Museu da República.

"Em uma narrativa bem humorada, mas repleta de sutis paralelos, a artista se debruça sobre os grandes temas da pintura figurativa, o retrato, a paisagem e a natureza morta. Em seus trabalhos, Patrizia procura discutir os limites do real, da mímeses e as implicações no mundo contemporâneo", afirma Isabel Portella.
Para realizar a exposição, a artista mergulhou no acervo do museu, em documentos relacionados ao tema, como uma bela coleção de convites e menus das muitas recepções ocorridas ali, bem como fotos, vasos, pratarias, sancas e mobiliário pertencentes ao Palácio do Catete, que aparecem nas obras mesclados a seu repertório poético.


De família italiana, Patrizia D’Angello cresceu rodeada por encontros em volta da mesa, com comida farta. Para ela, "comer junto é uma maneira de se compartilhar afeto". Desta forma, seu trabalho sempre esteve atravessado pela comida, que, em suas naturezas mortas, ganham outras camadas de sentido.
Movida por um humor dionisíaco e tendo como norte a Pop Art e a Tropicália, os trabalhos de Patrizia D’Angello estão sempre reverberando questões do feminino/feminismo. Em uma operação ambivalente de afirmação e crítica, a artista desloca sentidos e, com humor, joga luz sobre a pretensa "normalidade" do patriarcado e suas práticas predatórias.


"A abordagem desse espaço tão representativo do poder, do patriarcado, da ordem vigente, se dá por meio do campo relegado desde sempre ao domínio das mulheres, a cozinha, a mesa, a decoração, o enfeite, o bordado, o doce, o belo... Um universo, de acordo com essa lógica dominante, menor, secundário, fútil e frívolo, por isso mesmo entregue de bom grado às mãos que vieram pra servir", ressalta a artista.
A grande pintura "Jardim do Éden", que dá nome à exposição, retrata um piquenique realizado sobre uma canga com a imagem da famosa pintura do renascimento, "O nascimento da Vênus", de Sandro Botticelli (Itália, 1445 - 1510). "Também queria falar da área externa do museu, do lindo parque e dos convescotes que ali aconteceram no passado de forma reservada e que seguem acontecendo hoje com o espaço convertido em museu, de forma pública e democrática", explica a artista, que em suas pesquisas encontrou imagens da família de Pereira Passos (1836-1913), prefeito do então Distrito Federal entre 1902 e 1906, nos jardins do Palácio do Catete.
A imagem da Vênus de Botticelli, uma das tantas idealizações da mulher presentes na História da Arte, serve de leito para um piquenique, em que, junto ao seu peito, repousa uma faca e sobre seu corpo é servida a comida. O trabalho se chama Jardim do Éden e, a um só tempo, a artista relaciona a idealização, a objetificação, a exploração e toda uma narrativa milenar escrita por homens sobre o que foi e qual deve ser o papel da mulher.


O pensamento crítico aparece sempre de forma sutil, quando a sobreposição do título à imagem produz um ruído desconsertante. "O título dos trabalhos é parte indissociável da obra, pois é por meio do deslocamento de sentido engendradado nessa operação de nomear que desenvolvo a narrativa que me interessa explorar", conta Patrizia D’Angello.
Muitas vezes, os nomes das obras remetem a questões que não estão retratadas diretamente na pintura. Um exemplo disso é a obra "Canavial", com a imagem de um açucareiro de prata. A figura bonita, que remete à riqueza, é quebrada com a lembrança do título, que imediatamente remete à exploração e à escravidão.
No entanto, tudo é feito de forma leve, quase imperceptível e, a um primeiro olhar, o que se vê são belas e sedutoras imagens. "Se o feminismo, a sensualidade erótico-sensorial, o patriarcado, a exploração são questões que interessam à artista explorar, ela o faz com humor, em uma crítica que expõe engrenagens perversas e desnuda atitudes machistas, sem perder a doçura", afirma a curadora.


"Retrato mulheres insurgentes e empoderadas a debochar desse mundo constituído sob valores alheios e desfavoráveis, piqueniques, mesas, comidas, doces, vasos e ornamentos em que tudo parece estar onde deveria estar, exceto pelo fato de que essa afirmação resvala em uma bem humorada crítica", conclui a artista.
A exposição poderá ser visitada até 15 de março. A Galeria do Lago, no Museu da República, fica na Rua do Catete 153.
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